Friday, September 28, 2007

Pequenas empresas

Na frente da minha casa o que era um bar transformou-se em uma igreja Universal. Certa noite dessas estava caminhando e ecutei uma gritaria vindo de lá. "Está fervendo", pensei. Quando passei pela porta os bancos estavam vazios. Atrás do altar - na verdade, uma mesa como essas grandes de churrasco coberta com uma toalha - havia um gordinho ajoelhado, urrando como se não houvesse amanhã, balançando para frente e para três, de perfil para a porta. Só vi a cabeça dele, o que deu à cena uma roupagem ainda mais irreal. No outro dia, passei de novo em frente e novamente a cabeça do gordinho fazia sua dança frenética, mas me surpreendi com uma mulher ajoelhada num banco, ajoelhada de costas para o altar, e com dois guris sentados no chão jogando bolitas. É assim que começa.

Thursday, September 20, 2007

Éter físico

A técnica de redação jornalística para o Correspondente da Rádio Guaíba AM 720, que coloca o nome da cidade antes da notícia, às vezes gera coisas de transtornar o cidadão, como esta nota abaixo, lida num dia qualquer desta semana:

"Alegria - Um homem matou os sogros, incendiou a sua casa e depois cometeu suicídio."

Cada vez mais a realidade compete com a ficção.

Friday, September 14, 2007

Reacionário

Quando vi a passeata dos carteiros grevistas, agora há pouco, na Siqueira Campos, me deu uma vontade absurda de vir caminhando do lado oposto, empunhando uma faixa com a inscrição "Só uso e-mail".

Friday, September 07, 2007

Um entre muitos tiros

Os gregos também eram gente boa. Quando evacuavam um lugar, levavam os todos muares que podiam. Os que sobravam os gregos simplesmente quebravam as pernas deles e os jogavam n'água. Todos aqueles muares com as pernas quebradas jogados na água rasa. Era uma atividade muito agradável. Acreditem, uma atividade muito agradável.

Hemingway, o galo véio, fazendo literatura a pedradas em No Cais de Izmir, que faz parte do Volume 1 de seus contos. Sempre tinham me indicado muito os três volumes, mas apenas agora peguei para ler.

Saturday, September 01, 2007

Visita

Começou com uma vontade absurda de ligar para a minha casa. Simplesmente saía do apartamento, vencia dois lances de escada, lançava-me porta à fora e chegava ao telefone público. Aparelho em punho, discava o meu próprio número e ficava esperando, esperando para que eu atendesse, durante horas repetindo isso. Já não atendia quando o telefone de casa tocava: tinha certeza de que se olhasse pela janela eu estaria lá fora, fumando e aguardando, auscultador grudado ao ouvido. Semanas depois, passei a escrever cartas para mim contando notícias, boas ou ruins, dizendo que eu estava bem, que não era para eu me preocupar, que afinal a vida é assim e tudo deveria se acalmar. Então eu respondia agradecendo aos conselhos e dizendo para eu não demorar tanto para escrever porque, afinal, este mundo é tão perigoso, nunca sabemos o que vai acontecer amanhã. Recebia as cartas emocionado e preparava um café para só então abri-las cheio de ansiedade, e lia duas, três vezes seguidas, respondendo sem me tardar. Não satisfeito com esses frívolos meios de comunicação, achei melhor me fazer uma visita. Fiz a barba, coloquei meu terno mais novo e um chapéu-coco, e saí de casa, dobrei na primeira rua à esquerda, depois esquerda, e esquerda novamente. Lá estava eu subindo as escadas para me fazer uma visita, pensando como iria me apresentar, de que maneira fazer a conversa se desenvolver, perguntaria como vai a vida, diria que precisamos sair para tomar um café, eu conhecia ótimos cafés e poderia me levar a um lugar bem agradável. Estava agitado, parado à porta do meu apartamento, será que eu tinha mudado muito, por cartas e telefonemas era impossível saber, mas daqui alguns instantes eu estaria ali, na minha frente. Suando, ajeitando o nó da gravata, olhos esbugalhados, apertei a campainha, mas, tão logo meu dedo indicador apertou o botão e meu vulto já se levantava do sofá, saí correndo atabalhoadamente, tropeçando nos degraus e jogando-me na calçada. Sei lá, às vezes é melhor não ter muita intimidade.