Friday, January 20, 2006

Os carneiros bebem demoradamente, depois começam a pastar tranqüilamente. São de raça persa, de cara preta, parecidos um com o outro no tamanho, nas cores, até nos movimentos. Gêmeos, com toda certeza, destinados desde o nascimento à faca do açougueiro. Bom, nada de mais nisso. Há quanto tempo os carneiros não morrem de velhice? Carneiros não são donos de si mesmos, não são donos da própria vida. Existem para ser usados, até a última gota, a carne comida, os ossos moídos e dados às galinhas. Não sobra nada, a não ser talvez a vesícula biliar, que ninguém come. Descartes devia ter pensado nisso. A alma, suspensa na bile escura, amarga, escondida.

[Desonra. J.M. Coetzee. São Paulo: Companhia da Letras, 2000]

Coetzee
cada vez me deixando mais impressionado, surpreendido com a qualidade de cada uma de suas obras. Foi assim com A idade do ferro, Vida e época de Michael K e À espera dos bárbaros. Os que não li, pegarei somente um por ano. Só para prolongar o deleite.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Quero muito ler "Vida e Época de Michael K", que dei pro Carlos e ele já possuía. Comprei também "A Idade do Ferro", e tenho algum interesse no "Mestre de São Petersburgo" (qualquer ficção que envolva a vida do Dostoiesvki é boa).

O foda do Coetzee são os parágrafos. Frases muito sintéticas, não dá pra tirar nem um artigo. Só gente muito fodona consegue fazer isso.

7:58 AM  

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